sábado, 18 de abril de 2015

A vida que transborda...

Naquele domingo ela permitiu que seu corpo levantasse um pouco mais adiante do tempo dantes acostumado, mesmo com as visitas em casa, ela se permitiu, sem culpa.
Levantou-se e foi preparar o café, ritual arboreal e contínuo, quase automático de todas as manhãs, mesmo não sendo tão cedo.
E como haveria de preparar mais café do que de costume, pois haviam mais pessoas na casa, o pó úmido e preto, muito cheiroso, transbordou. Transbordou como há muito tempo não ousava deixar transbordar. Derramou-se sobre a pia um misto de cheiro e sabor quente inacreditavelmente suaves e sem culpa.
Transbordou, assim... como às vezes as coisas da vida saem do controle e transbordam também.
A menina transbordara dias antes, ao menos essa foi a descoberta feita em sua análise...
Mas ela não conseguia sentir culpa por esse transbordamento da vida, do sentimento, das paixões, emoções, enfim...
A culpa não acompanhava a estrutura do sentir, do dar sentido às coisas.
A menina sentia e pronto. Só soubera que transbordava após a sessão de análise.
Mesmo assim não se importou, a menina segue transbordando na vida, dor, paixão, tesão, desejo, vontades.
Só o desejo não transborda, porque é traiçoeiro, escorregadio...
A menina não o alcança, nunca, jamais...não o alcança, não o toca, nem cheira, nem nada...Desejo é palavra feito diamante, indestrutível, forte, firme...e segue intocável.
Desejo é coisa que anda no bolso do outro. A menina sabe que está lá, mas não ousa pedir, tocar, cheirar, pois assim como a mosca da sopa, você mata uma e vem outra em seu lugar. Assim é o desejo, feito mosca na sopa.
Visível, porém, intocável...
E assim, a menina viveu a semana, o dia, depois outro dia e mais um e outro ainda...E se deu conta de um botão, vermelho,  astuto, pregado à consciência chamado FODA-SE!
Depois que aprendeu a apertar tal botão do "pânico" boa parte dos problemas imaginários e cotidianos, diluiram-se!
Hoje a menina dança, ela ainda dança dentro da roda da vida, conhecendo os limites cada vez mais e tomando consciência desse botão precioso...o botão libertador de culpas, o botão libertador de sintomas, (que nem são da menina), o botão do gozo da vida!
E sempre que for preciso, a menina sabe onde fica o botão!
De agora p´ra diante é assim ou deverá ser, sentiu? transbordou? Caso de emergência?
Botão do foda-se!!!

Boa sorte à tudu mundu...conheçam o botão, cada um tem o seu! e todos são lindos!

Sugestão musical: mosca na sopa, é claro!