Na última quinta, adiantamos o ensaio da banda, aproveitando o feriado pra deixar o domingo livre.
Aqui em casa, todos tinham saído: os filhos mais velhos foram pra casa do pai, o companheiro aproveitou pra fazer hora extra, e eu fui trabalhar também — porque artista, sim, trabalha pra burro.
Fui com meu pequeno de quatro anos.
Na ida, pegamos o metrô — a linha vermelha — lotado de torcedores ingleses.
Felizes, barulhentos, batendo no teto do vagão, bebendo, gritando, naquela algazarra alegre de quem faz da torcida um carnaval.
Meu pequeno me olhava, intrigado.
— “Mãe, por que eles falam desse jeito?”
Expliquei:
— “É a língua deles. Eles falam inglês, moram em outro país.”
Um dos estrangeiros percebeu a curiosidade do menino, sorriu e passou a mão com carinho em seus cabelos.
Descemos em Santa Cecília.
Ensaio feito, tudo lindo.
Na volta, cruzamos com a torcida do Uruguai — ainda mais feliz que a da Inglaterra.
Voltavam do jogo com o peito estufado de vitória.
Usavam perucas azuis e brancas, bandeiras enroladas no corpo, riam, dançavam, saudavam todos ao redor.
Meu pequeno quis saber de novo:
— “Mãe, quem são eles?”
Respondi:
— “São uruguaios. Eles falam espanhol.”
Ele sorriu, deu tchauzinhos, e muitos retribuíram.
Até aí, tudo bem. Tudo normal.
Mas então um brasileiro, dentro do vagão, me chamou a atenção.
Olhou pra mim, pra viola nas costas, e gritou alto:
— “Quero ver se toca violão!”
Possivelmente era a primeira vez que esse homem andava de metrô.
E olha, espero que tenha gostado.
Mas percebi que, pra ele, artista não pega metrô.
Artista, pra ele, é outra coisa — alguém intocável, cercado de seguranças, distante do real.
A arte, na cabeça dele, deve morar em palcos caros e telas de TV, nunca num vagão apertado com cheiro de cerveja e humanidade.
Um outro passageiro, mais gentil, perguntou ao meu pequeno qual era o instrumento que ele carregava.
E ele, orgulhoso, respondeu:
— “É uma escaleta.”
O homem sorriu, olhou pra mim e perguntou:
— “E o seu, é violão?”
— “Não”, respondi. “É uma viola caipira.”
Ele sorriu de novo.
Hoje, um amigo escreveu nas redes:
> “Não há nada mais pacífico do que uma pessoa carregando um instrumento musical.”
E eu fiquei pensando: pacífico pra quem?
Espero sinceramente que pra todos nós.
Espero que o artista e a arte não sejam vistos como algo fora do real,
mas como parte do que somos —
em qualquer lugar, em qualquer língua,
em qualquer estação de metrô.
Que se respeite a arte não só nos gols da vida,
mas também nas derrotas, nas dores, nas lutas, nas angústias
e no gozo nosso de cada dia.