Hoje, quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015,
fui à sessão de análise meio sem saber o que dizer.
A não ser o acontecimento inusitado do fim de semana.
Mas o bom mesmo é ir assim —
sem saber o que dizer.
E, quando diz, ainda soltar:
> “Nem sei por que estou dizendo isso...”
E segue a sessão.
Sessão que, aliás, começa bem antes do consultório.
Começa no horário novo que tenho que chegar,
na grana que tenho que pagar —
e às vezes não tenho.
Começa na roupa que escolho vestir,
quando percebo que estou melhorando.
Antes, nada disso importava.
Saía de casa do jeito que estava.
Sempre em cima da hora,
com medo de sair à rua.
Hoje, fui lendo Clarice Lispector no ônibus.
Um livro difícil pra mim nesse período.
Leio um parágrafo e sinto vontade de queimar,
rasgar, jogar na parede,
arremessar pela janela.
Mas sigo.
Porque não me canso da coragem.
Mesmo sabendo que vai doer,
leio.
E vivo.
Às vezes, leio duas páginas e guardo o livro na bolsa —
com raiva e lágrimas.
É uma verdadeira relação de amor e ódio:
com Clarice, com o livro, e comigo mesma.
Hoje, sem grana pra pagar a análise,
mal pelo dia anterior,
mal pela leitura que me cortava por dentro,
cheguei.
E foi um dos dias mais significativos da minha história com meu analista.
Não só Clarice me perturbou,
como também os contos de Mulheres que Correm com os Lobos.
Trouxe o que consegui ler —
sobretudo A Mulher Esqueleto e Os Sapatinhos Vermelhos.
Parecia não ser o momento.
Mas não há “melhor momento”.
O momento é hoje.
Agora.
Ele vem, submerge, nasce e renasce —
porque já estava dentro, gestando,
esperando a hora de sair.
E hoje nasceu.
Saí chorando da sessão.
Peguei dois ônibus chorando.
Cheguei em casa e chorei mais.
Não de tristeza —
mas pela grandeza da compreensão.
Um misto de alegria e ausência,
felicidade e angústia,
vazio e mais vazio ainda.
O conto da Mulher Esqueleto deu o tom da conversa.
Se eu pudesse traduzir em música,
foi como se eu dissesse:
> “Se liga, vou te contar esse conto em lá menor.”
E meu analista, como bom compositor da alma,
me acompanhou nota a nota,
compreendendo cada escala.
Compondo comigo uma canção silenciosa
em que pude, enfim, reconhecer sentimentos
que estavam guardados, pisados, amortecidos, quase esquecidos.
Falamos a linguagem do desejo.
E o entendimento que tive foi incomensurável.
Feliz por saber o que não quero —
e não quero mesmo.
Não quero a falta de ética,
nem as fofocas com seus sintomas do cotidiano.
Quero o lado humano da vida —
seja com dor, sofrência ou alegria.
Quero me in-mundicizar da vida.
Quero viver o mundo in-mundo,
com ética.
Quero humanizar —
no sentido mais profundo, doloroso e rico dessa palavra.
Porque não sei viver sem sentir.
Tampouco sem fazer sentido.
Não só pra mim,
mas nas minhas relações com o mundo.
Dedico este texto ao meu analista.
Gracias pela troca.
Pelo afeto.
Pela música que fizemos juntos em lá menor.
🎧 Ouçam: [“9K3Wj5BZBF4” — YouTube]
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