segunda-feira, 2 de março de 2015

O Bar do Zero à Zero


Hoje quero contar um pedaço da minha história com a música.
Um tempo que veio muito antes do Bar do Zé Bosta —
o tempo em que eu decidi que era hora de tocar pra valer.

Era a primeira vez que eu encarava o palco de verdade.
Não era mais fogueira com amigos, não era brincadeira de roda.
Era coragem.
Era necessidade.
Eu precisava viver, pagar contas, criar dois filhos.
Tocar a vida — literalmente.

Minha amiguirmã, Gi, veio morar comigo.
Foi ela quem trouxe o convite e a coragem:
“Bora fazer disso parceria de verdade?”

E assim foi.
Morando juntas, ensaiávamos quase todos os dias.
Nosso repertório era puro coração: Chico, Caetano, Gal, Raul...
E ainda resgatamos Sou Free, da banda Sempre Livre —
um trocadilho perfeito pra duas mulheres querendo ser livres.

Um amigo querido falou de nós pra um bar em frente à Metodista, no Rudge.
E lá fomos nós:
pedindo carona, sujando nomes pra comprar aparelhagem,
com o violão, os cabos, microfones e pedestais
equilibrados no busão do Jardim Represa ao Rudge Ramos.

Tocávamos às quintas.
E com o tempo, a aula de filosofia que a Gi frequentava
acabou se mudando pro bar.

A sala toda descia.
E ali, entre cervejas e canções,
a gente celebrava amizade, amor, loucura e poesia.
Quem viveu a filosofia naquele tempo sabe:
era foda.

Até os professores vinham.
Um deles, o professor Gutiérrez,
me deu um par de brincos lindos,
feitos pela Kelly, artesã-maluca.
E me presenteou também com seu livro de poesias.
Essas coisas que a vida dá — e a gente nunca esquece.

Durante um bom tempo,
tocamos ali atendendo pedidos —
o público da filosofia amava nosso repertório
ainda revolucionário e poético.

E tinha o garçom, o Seu Carlitos.
Que figura linda!
Mal chegávamos pra montar a aparelhagem
e ele já vinha:
— “O que vão beber hoje, meninas?”

Sinto saudades do Carlitos.
Um homem de alma doce, sensível,
que parecia sentir o que a gente sentia.

Com o tempo, até os motoristas do busão nos conheciam.
Abríamos a porta de trás pra entrar com a caralhada de equipamento,
e muitas vezes íamos cantando no caminho —
fazendo da condução um palco.

E assim a vida seguia:
a gente tocava com a fome da alma,
a fome do coração,
com a vontade de ser feliz e
fazer feliz — mesmo que só por um instante.

Mas um dia, a dona do bar veio com uma ideia:
“Quando o bar encher e render, eu pago tanto. Proporcional.”
Tudo bem, pensamos.
O bar vivia cheio.
Então o cachê viria, certo?

Errado.

Uma vez, pagou muito pouco.
Reclamamos.
Ela respondeu, sem titubear:
“Vocês não têm ideia do gasto que tenho com papel higiênico!”

Doía.
Mas a gente era valente.
Isso não nos derrubava.

Até o dia em que ela disse,
com a maior cara lavada do mundo:
“Meninas... hoje é zero a zero.”

Não deu um centavo.
Voltamos frustradas,
mas nem por um segundo pensamos em desistir.

O motorista que nos trouxe perguntou:
— “Ué, vocês não foram trabalhar?”
E respondemos:
— “Fomos. Mas hoje não recebemos nada.”

Ele riu, abriu a porta, e nos deu carona.
Voltamos cantando Raul Seixas,
tocando pra quem voltava cansado do trampo,
pra quem também precisava de um respiro.

Guardamos a dor no bolso,
e seguimos tocando —
com mais desejo do que nunca.

Grata, Zé Bosta.
Grata, Zero a Zero.

Hoje, sigo firme na música,
com a Suindara Rock Sertão,
música autoral, inspirada em literatura e amor.

O mundo precisa disso:
mais amor, mais poesia, mais coragem —
poética, política, ideológica, socialmente falando.

E eu sou.
Eu sou.
Eu sou o amor.
Da cabeça aos pés.

Bora povo —
com pressão, sempre! 🎤

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