quinta-feira, 19 de março de 2015

O louco de cueca

O ano era 2007.
Tínhamos acabado de voltar de uma apresentação na Fundação Santo André — tempos de ocupação, protestos, gritos pedindo a saída do reitor.

Essa história é tão real quanto aquele instante em que você puxa as chaves da bolsa e, caprichosamente, vêm junto as bolinhas tailandesas.

Pois bem.
Chegamos — não eram ainda cinco da manhã.
A luz da casa de cima estava acesa.
A dona da casa, com os olhos esbugalhados e a cabeça pra fora da janela, repetia:
— “Acho que tem alguém aí, acho que tem alguém aí embaixo...”

Descemos com cuidado.
E o que vimos... nem real era.
Surreal.

Um homem sentado à soleira da porta.
Metade do corpo pra fora, metade pra dentro.
Vestia apenas uma cueca.
O resto — suas roupas, e o que sobrou da casa — se misturava em um cenário de guerra doméstica.

Cazuza dizia: “ficou tudo fora do lugar”,
mas ali, minha gente, Cazuza era café pequeno.

Tudo estava revirado:
mesa, fogão, cacos de vidro, arroz, feijão, travesseiros,
colheres, sapatos, roupas,
tudo banhado pelo galão de vinte litros que alguém havia jogado por cima.

Entrei no quarto.
As portas do guarda-roupa arrancadas,
a TV virada de tela pro chão,
colchões fora do lugar.

Nada se salvava —
só as roupas, depois de lavadas.

E o homem, o tal de cueca, dizia que não sabia de nada.
Os meninos que tinham nos ajudado com a aparelhagem queriam bater nele.
Não deixamos.
O pobre diabo estava bêbado demais pra apanhar.

Chamamos a polícia.

E como o destino adora ironia,
um dos policiais era meu colega da sexta série.

Perguntaram:
— “Existe alguém que não gosta de você?”
Respondi:
— Deve haver... mas nunca se apresentaram.

Ficaram conjecturando, tentando entender como tudo começou.
Eu também.
Talvez fosse só um bêbado errante,
batendo portão por portão até que um se abrisse —
e o azar foi o meu.

Foi muita loucura pra uma noite só.

Na delegacia, o homem já vestido,
deixou pra trás o tênis — cheio de molho de macarrão e cacos de vidro.
Pedi uma indenização simbólica.
Ele era ajudante de pedreiro.
A juíza estipulou o valor.
Dez parcelas.
E ele pagou, direitinho, pra seguir em liberdade.

Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.
Apois... em 2010 caiu.

Outro bêbado, duas da manhã.
Eu amamentava meu filho de vinte e dois dias.
O homem entrou, segurando um PlayStation.
Morador do prédio também.
Errou a porta.
Meu companheiro viu quem era depois de dar uma voadora —
e o bêbado voou pra dentro da sala.
Ao menos esse estava vestido.

Depois disso, nunca mais dormi com a porta aberta.
Verifico toda noite se está trancada.
Sem mania — só uma vez, e pronto.

Até hoje, os amigos lembram e pedem:
— “Conta aquela história do louco de cueca!”

Pois tá contada.

E aos meus amigos bêbados, fica o aviso:
as portas de casa estão abertas pra vocês —
é só bater, e trazer uma caixinha de cerveja
pra fortalecer o rolê. 🍻

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