Às vezes eu choro à noite,
deitada na cama,
olhando o teto como quem procura uma fresta.
Choro pelo peso do dia que já foi,
e pelo outro — que ainda vem.
As batalhas nunca se repetem,
mas se revezam:
uma fere o corpo,
outra a fé,
outra o que ainda resta da esperança.
Hoje peguei o trólebus das sete,
carrinho cheio de trampos,
dois painéis, uma mesa,
a criança, os brinquedos,
e a coragem que sobrou do ontem.
A porta é larga,
mas o ferro no meio da entrada me diz que não é pra todo mundo passar.
O carrinho enrosca,
a mãe fica dentro,
a criança fora,
tentando empurrar o mundo pra dentro do ônibus.
Quando finalmente consigo entrar,
grito, sem medo:
> “isso é viver uma vida sem privilégio!”
A vida também enrosca nos ferros invisíveis:
os da burocracia, da meritocracia,
dos favores, das chances que nunca chegam pra nós.
Mas a gente passa.
A gente passa na marra,
na força,
na brecha.
Mesmo com o corpo cansado,
mesmo com a alma rasgada,
a gente passa.
E segue.
A rotina é um moinho:
moe tempo, sonho e paciência.
Nem o mercado é o mesmo.
Cem reais viram três sacolinhas minguadas —
duas de ilusão, uma de mistura.
O luxo agora é sabonete.
Shampoo virou símbolo de classe.
E me lembro de um dia no metrô,
um crente veio me salvar com as palavras dele.
Dizia que se eu pagasse o dízimo,
Deus abriria minhas portas.
Na cabeça dele, eu era vagabunda —
por trabalhar com arte,
por viver do que é feito à mão,
por acreditar em beleza mesmo quando o mundo fede a miséria.
Falou, falou,
até dizer que Deus era como porta de metrô:
abre pra uns,
fecha pra outros.
Pois é.
Parece que o Deus do metrô também não abre o do trólebus.
E o Uber?
Nem sempre vem.
O Deus que abre portas todas
só atende aos privilegiados.
Mas eu não ando só.
aquele que abre os caminhos de quem anda a pé,
que conhece os becos e as brechas,
que entende a fome e o atraso,
que me guia pelos vãos do impossível.
Laroyê, Exu.
Que me ensina a atravessar,
mesmo quando o ferro aperta,
mesmo quando a porta fecha,
mesmo quando o mundo esquece.
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