terça-feira, 11 de novembro de 2025

O quarto dos fundos

Havia um quarto nos fundos.

De chão gasto, de silêncio antigo,

onde eu limpava vestígios de outros mundos.

Entre baldes, panos e memórias,

eu recolhia restos de histórias que não eram minhas —

mas que me atravessavam como se fossem.


Dessa vez, o destino pregou uma peça:

eu ia atender meu supervisor.

Ele, o psicanalista.

Eu, a empregada doméstica.

Mas o tempo riu da hierarquia

e trocou as cadeiras.

Ele me esperava,

e eu me atrasava uma hora inteira —

como quem ainda precisa de tempo pra nascer.


Quando cheguei, o quarto estava cheio.

Gente do CAPS, olhares, palpites,

vozes falando todas ao mesmo tempo

sobre o que é o cuidado.

O sagrado da escuta virou confusão.

A alma, interrompida.


Então algo em mim se ergueu.

Respirei fundo, e pedi que todos saíssem.

Um a um, foram deixando o espaço.

O último olhar fechou a porta.

E ficou o silêncio.


Ali, compreendi.

Não era mais a mulher dos fundos.

Era a terapeuta que sabe o peso e o valor do seu tempo.

Que reconhece a força do seu lugar de fala.

Que sustenta o vazio,

o fértil, o necessário.


A sessão não era com ele.

Era comigo.

O inconsciente se apresentou —

e eu, enfim,

me sentei à minha própria poltrona.

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