Havia um quarto nos fundos.
De chão gasto, de silêncio antigo,
onde eu limpava vestígios de outros mundos.
Entre baldes, panos e memórias,
eu recolhia restos de histórias que não eram minhas —
mas que me atravessavam como se fossem.
Dessa vez, o destino pregou uma peça:
eu ia atender meu supervisor.
Ele, o psicanalista.
Eu, a empregada doméstica.
Mas o tempo riu da hierarquia
e trocou as cadeiras.
Ele me esperava,
e eu me atrasava uma hora inteira —
como quem ainda precisa de tempo pra nascer.
Quando cheguei, o quarto estava cheio.
Gente do CAPS, olhares, palpites,
vozes falando todas ao mesmo tempo
sobre o que é o cuidado.
O sagrado da escuta virou confusão.
A alma, interrompida.
Então algo em mim se ergueu.
Respirei fundo, e pedi que todos saíssem.
Um a um, foram deixando o espaço.
O último olhar fechou a porta.
E ficou o silêncio.
Ali, compreendi.
Não era mais a mulher dos fundos.
Era a terapeuta que sabe o peso e o valor do seu tempo.
Que reconhece a força do seu lugar de fala.
Que sustenta o vazio,
o fértil, o necessário.
A sessão não era com ele.
Era comigo.
O inconsciente se apresentou —
e eu, enfim,
me sentei à minha própria poltrona.
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