terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Desejo, necessidade e vontade!

Não tenho escrito com frequência.
Alguns sentimentos precisam ser digeridos antes de virarem palavras.

Há dias em que simplesmente não tenho forças pra levantar da cama —
e é doloroso ver meus filhos e meu companheiro tentando entender o que nem eu consigo explicar.
Gostaria de ter palavras pra nomear esse vazio,
mas há coisas que não têm explicação.

O corpo, às vezes, pede descanso —
como quem pede silêncio à mente.
E eu aprendi a respeitá-lo.

Antes, não.
Antes eu botava o corpo na rua como se estivesse sem pele.
Hoje entendo:
ele também tem limites.

Tenho pensado nessa necessidade do corpo se recolher.
Não é vontade.
Não é desejo.
É necessidade pura —
daquelas que, se não atendidas, o ser adoece.

Parecido com a fome:
se não comer, não morre de imediato,
mas o corpo vai se desfazendo aos poucos.

Hoje estou de pé.
Programei o dia pra fazer só o que posso fazer daqui,
sem precisar sair,
porque sair implica perguntas —
e nem sempre tenho respostas.
E não deveria ter.
Mas a sensibilidade do espírito não deixa passar em branco.
E então eu sofro.

Pensando nisso tudo, comecei a refletir sobre necessidade, vontade e desejo.

A vontade foi a primeira a fugir.
Sumiu do mapa, enlouqueceu, pulou fora.
Abandonou o corpo.

A necessidade ficou, firme, dando manutenção à sobrevivência.
É nela que me apoio quando preciso continuar,
quando preciso resistir.

Mas o desejo...
Ah, o desejo é vil.
Nem vai, nem fica.
Disfarça-se de vontade, de necessidade,
de tudo o que não é.
E, muitas vezes, não é nada.
Talvez delírio.

O desejo é uma armadilha —
nunca se realiza por completo.
Quando o alcançamos, ele muda de rosto,
se transforma,
se multiplica.

É como na canção de Raul Seixas:

> “Você mata uma mosca na sopa,
e vem outra no lugar.”



Por isso é tão difícil lidar com o que se tem.
Difícil gostar do que já conquistamos.
Porque sempre há mais —
e esse “mais” nunca se sacia.

O desejo é resto.
É o que sobra depois que conseguimos tudo o que queremos.
E ainda assim, ele permanece —
indestrutível, inabalável.

Hoje, aprendo a ficar esperta com esses três:
desejo, necessidade e vontade.
Cada um tem sua natureza.
Mas só o desejo é mutante,
astuto, egoísta e vil.

E mesmo assim, é ele quem mantém o corpo vivo.

Hoje, dando um pouco de pressão à vida,
eu me levanto.
Faço o que der pra fazer,
hoje melhor que ontem,
amanhã melhor que hoje.

Um dia por vez.
Com pressão.
Pra frente.

🎧 Trilha do dia:
Elza Soares – “A Mulher do Fim do Mundo”


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