> “No momento em que eu ia partir, resolvi voltar.”
Muitas vezes é assim que acontece comigo.
Quando penso em desistir, algo dentro resolve voltar.
E quando consigo vencer a barreira do corpo — esse corpo que, às vezes, simplesmente se nega a caminhar — e tento dar alguns passos, os sintomas tomam conta de tudo que ainda chamo de corpo.
Mas não estou aqui pra brincadeiras.
Estou pra lutar.
Passando mal ou não, sigo lutando.
É tão bonito ver o detergente vencendo a gordura enquanto lavo a louça.
Sim — é nisso que encontro beleza:
na simplicidade de um gesto que limpa, na persistência de cada bolha.
Toda vez que arrumo a cama, que consigo sair dela, é bonito pra mim.
Pequenas coisas que, pra muitos, não significam nada —
pra mim, são conquistas.
Fiquei alguns dias sem escrever.
Com a mudança da medicação, veio um turbilhão de coisas que jamais imaginei sentir.
O médico avisou que seria difícil.
Pensei que fosse apenas sono, tontura, sudorese.
Mas vieram alucinações e delírios pesadíssimos.
Então esperei.
Esperei passar a fase de adaptação.
Algumas coisas precisam ser digeridas, ruminadas, compreendidas antes de virar palavra.
Entre uma crise e outra, sonhei —
e lembrei dos sonhos.
Escrevi alguns.
Tive coragem de ler só uma vez.
Talvez um dia eu volte a lê-los para meu analista.
O que há de bonito nisso tudo é perceber o que já não me serve.
Como fiz com as roupas que doei.
É bonito caminhar, mesmo devagar,
sabendo ao menos o porquê.
O que quero de verdade ainda é mistério.
Sou múltipla demais pras certezas.
Mas o que não quero mais, isso eu já sei.
E isso, pra mim, é um passo enorme.
Agora, me preparo.
Pra hora da escolha, da decisão, da elaboração —
do que ainda pulsa e me trouxe até aqui.
Sempre que escrevo, ouço Belchior.
Às vezes Caetano.
Hoje não ouvi nada.
Ainda está cedo demais pra música.
Mas pensei em Sérgio Sampaio.
Poeta feroz, sem medo.
Um dos “malditos” que me inspiram,
porque sempre preferi o lado melancólico da vida.
É difícil olhar o mundo e seguir feliz, sorridente,
quando se sente demais.
Por isso prefiro os malditos —
compositores, escritores, e todos os que vivem no avesso.
A vida me fez assim.
Mas ainda guardo uma doçura, escondida,
e a uso quando a amargura ameaça tomar conta do corpo.
Acho que é isso que faço aqui,
toda vez que escrevo:
entre a dureza e a leveza,
entre o delírio e o detergente,
vou limpando o que dói —
e seguindo, um dia após o outro,
como o detergente vencendo a gordura da louça suja.
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