domingo, 6 de abril de 2025

Prece de Luxúria


Desejo tua presença.

Não é só querer —

é reza,

é febre,

é carne em oração.


Teu cheiro me doma,

suave tempestade,

acalma o caos em mim

como se soubesse o caminho

dos meus labirintos.


Teu gosto —

quente,

denso,

selvagem.

Gruda na minha boca,

fica…

marca.


E teu suor,

ah, teu suor —

é vinho pra minha sede,

é sal pra minha fome,

é tua essência

derretida na minha língua.


Quero teu corpo inteiro.

Mapa sagrado,

bússola invertida.

Percorrer cada centímetro

como quem descobre

um novo mundo

com a ponta dos dedos.


Sonho o possível.

Mas é no impossível

que me perco.

É no impossível

que te vivo.

É no impossível

que somos.


Juntos.

Incontornáveis.

Latinos.

Sangue em ebulição.

Pele, pulsação.

Nós.

Nosso.

Infinito.

Saudade em verso


Um gosto amargo, tom de despedida,

saudade que aperta o peito e a razão.

Memórias vivas, ternura ferida,

teu nome ecoa em cada pulsação.


Nos achamos, e em nós nos perdemos,

no mesmo passo, luz e escuridão.

Fomos desejo, e medo — nos doemos,

cumplicidade em doce contradição.


Sonhei teu riso em dias tão banais,

no sol, na chuva, no inverno a chegar.

Mas restam planos soltos, nunca mais,

e a dor de não poder te despertar.


Tua pele em mim, tua alma em meu canto,

e o impossível... ainda é meu encanto.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Shampoo é privilégio e Deus morreu pra nós!

Às vezes eu choro à noite quando me deito na cama.
De pensar nas dificuldades enfrentadas no dia a dia, pensar
Que no dia seguinte virão outras
Pensar que podem ser piores as batalhas a cada dia.
Quando a gente pega um trólebus às 07:00 da manhã, como foi hoje,
Com carrinho cheio de trampos, com dois painéis, com mesa, com
A criança e a sacola plástica com os brinquedos da criança.
Mesmo a porta do trólebus sendo larga, existe um ferro separando
A entrada, o carrinho enrosca, fica a mãe dentro e a criança fora
Tentando empurrar o carrinho. Momento de tensão. Quando finalmente consigo entrar
Brado em alto e bom som:  isso é viver uma vida sem privilégio...
 Às vezes a vida enrosca também nos ferros da burocracia, da meritocracia, e a gente fica sem entender, sem saber se vai
Conseguir passar ou não pela porta. Com muito esforço e marra a
Gente passa, a gente passa à força, a gente passa nas brechas.
Embora a rotina semanal seja maçante, exaustiva, dolorosa, entre outros
Adjetivos desabonadores, ela não garante o bem viver.
Todo dia tem mercado. Já não é possível fazer dispesa mensal, quinzenal
E tampouco semanal.
As coisas chegaram num nível absurdo de dificuldade pra gente manter
A existência!
E hoje você vai ao mercado com 100 conto e volta com 3 sacolinhas
Que talvez não dure três dias de sustento. Sobretudo se for
Produto de limpeza ou mistura (carnes em geral).
Shampoo além de supérfluo, tornou-se privilégio aqui em casa.
E lembro contanto isso, de um outro dia em que um crente encheu meu
Saco no metrô dizendo que eu precisava pagar o dízimo e assim eu conseguiria um emprego.
Na mente dele eu sou vagabunda por trabalhar com artesanato, eu e mais um mundo de gente que está nessa luta árdua (na ocasião
Eu estava indo expor)
Depois de falar um milhão de impropérios ele finalizou o monólogo dizendo
Que Deus era como porta de metrô: Deus abre, mas uns entram e outros não!
Eu pelo jeito fui não negada apenas  pelo Deus do metrô, mas do trólebus também!
E tem dias que nem o Uber pode salvar! Porque o deus que abre as portas todas só está disponível para os privilegiados!
Ainda bem que eu não ando só!

Laroyê Exú...que abre portas, caminhos, passagens, brechas, vãos, porteiras e o que mais for preciso!

Sobre Sérgio Sampaio, Chico, Zezé e Futebol...

Vamos lá! Eu vejo pouca diferença entre Chico Buarque e Zezé di Camargo e Luciano quando falam de amor. É sério!! O que eu vejo é que quase sempre falam do sofrimento por amor na voz de uma mulher. Como se fosse uma mulher falando sobre aquela dor.
Nunca vi um cara dizer "diga, se te deixei faltar amor..." ou "nem vou lhe cobrar pelo meu estrago, meu peito tão dilacerado..."
A construção social até permite que os homens sintam, mas o patriarcado não admite que eles DIGAM o que sentem com a mesma firmeza, verdade e entrega com que nós, mulheres, dizemos.
Tem um cara que conseguiu dizer sem medo, em suas composições, numa voz, numa fala genuinamente masculina sobre o amor em relação à uma mulher. O nome desse doido é Sérgio Sampaio.
E não só sobre o amor, mas sobre a loucura, a vida, a juventude, a sociedade, enfim...Um maluco que não me canso de ouvir e aprender.
Existe um viés no qual é permitido aos homens e eles também se permitem demonstrar toda a emoção que vem de dentro, sem o menor pudor! Esse viés está no futebol!! Sim...repare bem como esses se afagam, se abraçam, se beijam e bagunçam os cabelos um do outro.
Pois é...
Eu tive três filhos homens e ontem vi meu filho pedindo a mão da namorada de joelhos!! Eu nunca ensinei isso pra ele, nem pro meu filho mais velho, que também dá declarações de amor inacreditáveis pra esposa dele.
Mas ensinei sem precisar dizer uma palavra que o amor é pra ser amado e vivido com grandeza, com força, sem vergonha!
A ideia é essa...amar e comemorar o amor como se fosse um GOL no jogo da vida.
E se for pra dizer que ama...escute Sérgio  Sampaio e vocês vão saber do que eu to falando!

domingo, 28 de outubro de 2018

Contradição

Sou contradição às vezes
Noutras sou convicção
Chego como quem já vai partir
E fico muito mais do que o esperado.
Faço esforços inúteis pra alcançar o Desejo
E mesmo quando esse me machuca a alma
Ainda assim...eu quero ficar
Porque sou contradição às vezes
Noutras sou convicção
Através  do teu silêncio
Alimentei meus maiores fantasmas
Eles cresceram imensos...ficaram maiores que tudo!
Hoje eu faço silêncio e busco atravessar um à um
Os fantasmas renascidos...
Porque sou contradição às vezes
Noutras sou convicção.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Cuia

"Dizem que os cachorros nos levarão água na cuia de suas cabeças quando morrermos".

Naquela tarde, se eu pudesse, ao invés de enterrar o cão envenenado, teria enterrado a mim mesma, para não sentir aquela dor que se sente quando a humilhação atinge os limites da alma.
Por circunstâncias  da vida e do crescimento urbano fui desapropriada da minha antiga habitação. A casa era muito simples na construção, porém muito farta em horta, animais, frutas e até peixes, não só para o consumo, mas para fortalecer a economia da minha pequena família.
Dois dos meus filhos, desde muito pequenos deram os primeiros passos ali, naquela singela antiga habitação. Naquela casa habitávamos nós, os moradores e a alegria da liberdade para a criação e desenvolvimento das crianças, que corriam soltas pela rua e cresciam tão livres quanto os pés de hortelã rasteiros pelo chão. E para meu espanto, aprenderam também a nadar, muito antes da alfabetização, já que o pequeno quintal era um trecho da margem de uma imensa represa.
O deslocamento não foi nada simples. Mudança brusca de lugar no espaço físico e subjetivo.
Foram quatro anos de espera até que a nova habitação ficasse pronta para me receber com minha pequena família.
Meu terceiro filho chegou ao mundo já na nova habitação. Havia algum conforto, mas nada comparado à liberdade da antiga casinha singela. Na casa nova havia luz, mas não o calor do sol; havia espaço, mas não encontrava-se "jeito" ali...
Corre o tempo...
Passada a adaptação, na casa que não fora planejada por mim, na vida novamente assentada, entre deslocamentos e puerpério, precisei trabalhar...e muito!
Aceitei prontamente o trabalho de faxineira nesse condomínio dos novos habitantes, tão retirantes e deslocados quanto eu, de suas, de nossas vidas acostumadas.
Ali, suportei misérias inimagináveis em troca desse trabalho.
Por mais que eu limpasse e limpasse e limpasse, com cloro, desinfetante tutti-frutti, talco, violeta, jasmim, eucalipto, etc. o cheiro da indecência nunca saía, sempre lá, impregnado embaixo das escadas dos prédios, marcando a falta de educação, respeito, ética e tudo aquilo que se tem em mente para tornar minimamente possível mínimo a convivência em grupo, em sociedade, enfim, a convivência em um condomínio.
O Real tem dessas e as pessoas ainda desacostumadas de sua nova condição deram de fazer suas necessidades embaixo dessas escadas.
Com o tempo, descobri quem cagava. Quando se aperfeiçoa em merda, a bosta fica tão íntima que passa-se a reconhecer e diferenciar bosta de criança, de adulto, de cachorro e dos bêbados também.
Esses últimos têm um padrão diferente de cagar...Quando a bosta não está nos lugares mais improváveis é porque ficou nas calças mesmo. Como pude presenciar algumas vezes. Mas se não estão nas calças ou nos lugares improváveis, não se iludam, jamais estiveram no cagatório embaixo das escadas. Os bêbados são genuínos, cagam onde mais lhe apetecem, mas cagam sempre com dignidade! A si e aos outros.
Pois bem. sabendo quem cagava, fui ter com eles.
A pouca vergonha parava por uns dias, mas voltava ainda pior...tantas vezes na forma líquida, numa amálgama de pirraça, merda e urina.
Sim, a cuia do título ainda não entrou na história. Precisei preparar vocês para o pior.
Nada disso: cagatório, pirraça, xixi, etc e tal me deixou tão desassistida da sorte quanto a morte do cachorro envenenado.
Muitos cachorros foram abandonados pelos novos moradores deslocados de suas antigas casas e vidas para o condomínios Dos Retirantes Confusos.
E se não tinham escrúpulos com as próprias necessidades fisiológicas, quem diria com um animal que não puderam levar para os apartamentos.
Então a solução foi tão esdrúxula quanto os novos comportamentos apresentados pelos novos moradores do condomínio Dos Retirantes Confusos.
Envenenaram o animal e este morreu aos pés do muro frio, do lado de dentro, para que todos pudessem assistir à barbaridade de que estavam sendo capazes.
Todos passavam e olhavam, mas somente quando o fedor de carniça apodrecendo tornou-se insuportável foi que Doma Matilde (síndica e chefe) me chamou, afinal,  eu era a responsável pela "limpeza".
Eu, a especialista em merda naquele lugar, não fui  capaz de descobrir quem envenenou o cão.
Não!
Mas esse foi o dia fatídico. Dona Matilde me ordenou que enterrasse os restos mortais do cão.
E eu pequena e franzina em meus 50 kg de carne e ossos, carreguei o cão e comecei a cavar sua cova. Para além dos muros Do Condomínio Dos Retirantes Confusos.
Carreguei tudo, calada. O cão, a pá, a enxada e o ódio que sentia de Dona Matilde.
Enquanto três ou quatro pessoas assistiam à cena, desacreditando, porém gozando silenciosamente da situação, em virtude de suas pequenas perversões, eu cavava, cabisbaixa.
Após carpir a grama e terra superficiais, meti a pá no pequeno buraco e segui cavando até que o buraco aconchegasse o corpo do cão.
A tarefa passou a ficar inviável depois de uns 30 ou 40 minutos cavando, sem sucesso de grande dilatação do buraco e com platéia, sobretudo.
Enfim, esgotada de cansaço, calor de 40° e humilhação diante dessa cena bizarra, dilatei o buraco do meu peito e à plenos pulmões eu berrei:
- Chega! Não consigo mais cavar!
E a pequena platéia, embriagada, junto com Dona Matilde, decretou:
- Pegue uns três sacos de lixo e jogue na lixeira então.
Eu, exaurida, saturada em suor e lágrimas ressequidas pelo sol, pelo horror da cena absurda no real e no meu interior, muito mais  por ser moradora do mesmo condomínio que o cão e os que comandavam o enterro, assenti com a cabeça, num gesto positivo e silencioso e o olhar perdido na tristeza e desespero de quem observou de perto por alguns minutos o inferno e esteve de volta pra contar.
Obedeci! Ressentida, abalada. Meti o cão nos sacos e coloquei na lixeira.
E todos voltaram pras suas vidas e pras suas casas.
Menos eu!
Não fuim a mesma nunca mais...
Naquele dia uma parte de mim foi junto com o cão pro lixo.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Poeminha à Lacan

Escrever é delírio
Tantos poetas já o disseram.
Deliro porque preciso suportar a vida.
A palavra é como peça de xadrez no jogo da poesia.
Ora representa o imaginário, ora o simbólico.
Com ou sem nome-do-pai, se movimentam, se deslocam ou simplesmente se condensam.
Feito a metáfora e a metonímia.
No real da vida só o desejo insustentável habita.