Naquele domingo ela permitiu que seu corpo levantasse um pouco mais adiante do tempo dantes acostumado, mesmo com as visitas em casa, ela se permitiu, sem culpa.
Levantou-se e foi preparar o café, ritual arboreal e contínuo, quase automático de todas as manhãs, mesmo não sendo tão cedo.
E como haveria de preparar mais café do que de costume, pois haviam mais pessoas na casa, o pó úmido e preto, muito cheiroso, transbordou. Transbordou como há muito tempo não ousava deixar transbordar. Derramou-se sobre a pia um misto de cheiro e sabor quente inacreditavelmente suaves e sem culpa.
Transbordou, assim... como às vezes as coisas da vida saem do controle e transbordam também.
A menina transbordara dias antes, ao menos essa foi a descoberta feita em sua análise...
Mas ela não conseguia sentir culpa por esse transbordamento da vida, do sentimento, das paixões, emoções, enfim...
A culpa não acompanhava a estrutura do sentir, do dar sentido às coisas.
A menina sentia e pronto. Só soubera que transbordava após a sessão de análise.
Mesmo assim não se importou, a menina segue transbordando na vida, dor, paixão, tesão, desejo, vontades.
Só o desejo não transborda, porque é traiçoeiro, escorregadio...
A menina não o alcança, nunca, jamais...não o alcança, não o toca, nem cheira, nem nada...Desejo é palavra feito diamante, indestrutível, forte, firme...e segue intocável.
Desejo é coisa que anda no bolso do outro. A menina sabe que está lá, mas não ousa pedir, tocar, cheirar, pois assim como a mosca da sopa, você mata uma e vem outra em seu lugar. Assim é o desejo, feito mosca na sopa.
Visível, porém, intocável...
E assim, a menina viveu a semana, o dia, depois outro dia e mais um e outro ainda...E se deu conta de um botão, vermelho, astuto, pregado à consciência chamado FODA-SE!
Depois que aprendeu a apertar tal botão do "pânico" boa parte dos problemas imaginários e cotidianos, diluiram-se!
Hoje a menina dança, ela ainda dança dentro da roda da vida, conhecendo os limites cada vez mais e tomando consciência desse botão precioso...o botão libertador de culpas, o botão libertador de sintomas, (que nem são da menina), o botão do gozo da vida!
E sempre que for preciso, a menina sabe onde fica o botão!
De agora p´ra diante é assim ou deverá ser, sentiu? transbordou? Caso de emergência?
Botão do foda-se!!!
Boa sorte à tudu mundu...conheçam o botão, cada um tem o seu! e todos são lindos!
Sugestão musical: mosca na sopa, é claro!
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