sábado, 27 de junho de 2015

Maçãs podres, avante!

Maçã  Podre...
Quando eu tinha 13 anos fui chamada pela diretora da escola de “maçã podre”...Quando estava calor eu usava shorts e não era uma menina bem vista, por usar tal vestimenta. Tantas vezes levei advertência,  tantas outras fui obrigada à voltar pra casa, sem assistir aula e com calor.
Algumas vezes eu ia pra casa mesmo, noutras eu ia pra bica e me refrescava enquanto dava o horário de terminar a aula. Não! eu não estava matando aula, minha aula já havia sido morta bem antes de eu estar na bica, foram assassinadas quando não pude entrar na escola, a aula e a dignidade.
Por muito pouco não fui expulsa da escola, sob o argumento da “maçã podre”...
Com o passar de poucos anos minhas vestimentas e meu corpo se transformaram e ganharam a não-cor e o não-formato de alguém não-satisfeito, com o mundo e com a vida.
Passei a usar roupas muito maiores do que meu pequeno corpo aceitava. Às vezes sujas, outras, rasgadas. Rasguei também os cabelos, usando o mínimo que eu poderia suportar na cabeça.
Ainda assim rasgada para com o mundo, dilacerada pelo convívio com o “normal”, ainda assim eu desenvolvi um amor imenso pela leitura. Amor esse que foi despertado por uma professora de Português. Ela era tão detestada quanto eu na escola. Não pelas roupas ou a falta delas. Era negra, mulher simples, quase acanhada! Mas ela me causava um fascínio tão grande, que tudo que ela indicava eu lia. Eu queria o amor daquela mulher, daquela professora que ninguém gostava...Nesse tempo eu já carregava vinho ao invés de suco na minha lancheira.
Esta foi a escola que mais tempo eu permaneci, nunca soube criar raízes, foram tantas escolas que não couberam todas no histórico escolar. Mais de 8 escolas. Numa vida escolar em média de 11 a  12 anos, é bastante coisa.
Essas mudanças aconteciam por conta do trabalho do meu pai, operário, operador de máquina de terraplenagem. Íamos à todos cantos que haviam estradas para construir, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso. Onde as empresas iam construir estradas, a família toda ia.
Por isso nunca tive lugar... Nenhum lugar eu cabia, tampouco cabia em mim. Nem no Mato Grosso, com um bando de crianças vizinhas tão perdidas quanto eu, com seus pais operários-nômades, tanto quanto o meu.
Pelo mesmo motivo tive que aprender a me adaptar à todo e qualquer lugar, mesmo sentindo que não era meu-lugar. E se fosse, poderia acabar tudo, assim, no próximo mês...
Esse período morando no Pantanal Mato-grossense foi inexplicavelmente um dos mais importantes e ricos da minha vida. Alí, fui proibida de freqüentar a catequese, pois ainda não sabia ler. Me causou muita frustração! Sempre eu tinha ouvido que deus castigava e que ele via tudo que eu estava fazendo, etc e tal. Eu só queria conhecer esse cara, a catequese (ao menos eu acreditava) seria a porta, seria o único meio de conhecer esse cara e ver qual era a dele, se era mesmo tudo aquilo de medo que eu tinha, ou não...
Não foi possível, não pude freqüentar mesmo a tal da catequese. Pensei comigo, vou aprender a ler e vou conhecer deus e ele vai gostar de mim um dia. E depois que eu aprender a ler, ele não vai mais me perseguir, nem ficar me olhando no banheiro, nem sabendo de tudo que eu penso...
Eu não sabia que existia uma idade pra freqüentar a tal da catequese. No fim das contas, parti do Pantanal, somente com a lembrança das cobras no caminho da escola, debaixo do sol forte;
Desisti definitivamente de deus assim que comecei a desfrutar dos prazeres do meu corpo. Como poderia ser proibida tamanha sensação que meu corpo poderia me dar, por ele, o tal deus? Definitivamente, aos 12 anos eu só queria conhecer a aproveitar dos prazeres do meu corpo.
E assim segui, conhecendo meu corpo e deixando que outros e outras o conhecessem também. Saboreando todas as formas de delícias que eu podia suportar.
E a vida seguiu assim, fui aos poucos lendo o mundo, lendo as pessoas e até hoje sigo assim, lendo o tempo todo...
Leio o que acontece à minha volta, lendo a cada um que eu conheço, lendo para outras pessoas, ensinando outras pessoas (Não a ler), mas a gostarem de ler. Sigo despertando paixões vida afora, sigo despertando o desejo pela vida, não só pela leitura, mas pelo amor, pelo corpo, prelo prazer...Sigo contaminando cada um que eu puder contaminar.
E que a contaminação não seja palavra excluída e que não tenha um cunho negativo sempre...
Depende de com o  quê nos contaminamos!
Sim, eu devia ser uma maçã podre, desde aqueles tempos! Contaminando outras maçãs, iguais ou diferentes de mim...à procura de um lugar, onde pudesse existir, como maçã (podre ou não)ou como mulher, como pessoa, como humano que encontra o seu lugar! Mesmo que esse lugar seja lugar nenhum.
Mesmo que esse lugar nunca exista! Não abandonemos o desejo da busca! Avante maçãs podres!!






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